Debate e partilha marcam Conferências do Museu de Lamego
Foram muitos os contributos que esta segunda-feira, 20 de julho, ajudaram a compreender aquele que ficou conhecido como o Motim de Lamego. Foi há 100 anos e nele morreram 12 pessoas entre as mais de 5 mil que se uniram junto da Câmara Municipal de Lamego em sinal de revolta e de defesa da denominação de origem do vinho do Porto, contra as imitações que o Tratado luso-britânico de 1914 facilitava, ao considerar como vinho do Porto qualquer vinho oriundo de Portugal e não apenas do Douro. Foi este o tema que dominou as 3ªs Conferências do Museu de Lamego/CITCEM, sem nunca esquecer que o Douro foi palco de muitos outros movimentos políticos e sociais.
Entre o Liberalismo e a Democracia foram cerca de uma dezena as intervenções que ao longo do dia foram dando nota do papel dos “Gigantes do Douro”, título da comunicação de Otília Lage, recordando o homónimo filme que Manuel de Oliveira deixou por realizar em homenagem à região.
E terão sido gigantes os durienses que ao longo do último século foram enfrentando as diversas crises económicas e sociais que se foram impondo, como ficou bem patente ao longo de todo o dia. Vários foram os olhares que se cruzaram, com o contributo de uma audiência de mais de meia centena de participantes, que não se privou de dar um contributo importante ao debate.
Esses olhares passaram pela visão do então jovem jornalista que trouxe a debate fragmentos de abril no Douro. Augusto Macedo recordou momentos de grande tensão, equivalentes aos do Motim de Lamego, mas agora em 1975, com os lavradores a manifestarem-se na Casa do Douro, no Peso da Régua.
As Invasões Francesas e o seu impacto no Norte de Portugal e região de Trás-os-Montes, a revolução liberal e a ação coletiva no Douro a propósito das movimentações da «Maria da Fonte» foram temas em cima da mesa, com o investigador António Monteiro Cardoso, da Universidade Nova de Lisboa, a afirmar, por exemplo, que “não há um Douro, há Douros”.
Mas o Motim de Lamego seria de facto o tema que dominaria todo o debate, arrancando logo ao início da manhã com a comunicação do norte-americano Shawn Parkhurst. Professor da Universidade de Louisville, antropólogo e apaixonado pelo Douro, chegou à região no início da década de 90 do século passado para estudar uma pequena aldeia e desde aí nunca mais deixou de regressar.
O investigador fez uma abordagem multidisciplinar do que teria acontecido no dia 20 de julho de 1915, para que a manifestação dos agricultores tivesse terminado com 12 mortes e chegou à conclusão que as diversas visões não explicam por si só os acontecimento e que ainda haverá muito para descobrir. Deixou, no entanto, uma proposta de casamento entre disciplinas há muito divorciadas no Douro. Para Parkhurst, a História, a Antropologia e a Literatura, e porque não a Geografia também, como assinalou, deveriam voltar a unir-se e assim poderem dar uma visão de conjunto ao Motim de Lamego.
A Literatura foi, aliás, tema da comunicação de João Luís Sequeira, com uma abordagem à vida e obra de Pina de Morais, autor de “Sangue Plebeu”, baseado em gentes e acontecimentos reais, em particular o Motim de Lamego, lembrando que por detrás da paisagem, hoje classificada de Património da Humanidade, há o trabalho e o sacrifício de muitos homens e mulheres.
A finalizar as 3as Conferências do Museu de Lamego, a comunicação de Carla Sequeira sobre o ação de Antão de Carvalho enquanto líder do movimento regional, na defesa da denominação de origem «Porto» e de Gaspar Martins Pereira que classificou o Motim de Lamego como “o acontecimento de maior impacto no Douro”, um momento histórico de consagração da denominação de origem «Porto» para os vinhos generosos da Região Demarcada do Douro, constituindo o culminar do movimento de contestação duriense ao Tratado luso-britânico de 1914.
Num contexto de crise comercial do vinho do Porto, em que proliferavam falsificações baratas, os durienses reagiram com um vasto conjunto de movimentações, tanto das elites vinhateiras como das camadas populares. O desfecho sangrento do motim de Lamego transformou esse acontecimento num momento histórico de consagração da denominação de origem, elevando os seus atores à condição de heróis-mártires da causa regional. Quanto a responsabilidade, estas foram descartadas quer pela Câmara de Lamego, quer pela Guarda. A versão oficial acusa o povo de ter provocado as forças militares. A perceção popular, essa seria muito diferente e foi muito discutida durante o tempo de debate que se seguiu às comunicações.
As 3as Conferências do Museu de Lamego/CITCEM são assim e cada vez mais uma plataforma de divulgação, promovendo a partilha de conhecimento. Até ao final do ano estarão disponíveis estas e outras conclusões nas Atas das Conferências, online e de acesso livre.
Fonte: www.museudelamego.pt