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Douro: região rica dá prémios a empresas para deixar de ser tão pobre

O Douro gera anualmente mais de 450 milhões de euros com os seus dois vinhos (DOC Douro e vinho do Porto) e no vale produz-se mais de metade da hidroelectricidade do país. Ainda assim, é uma das mais pobres regiões do país. Onde criar uma empresa inovadora pode dar direito a um prémio.

Douro: região rica dá prémios a empresas para deixar de ser tão pobre

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, vai hoje presidir em Vila Real à entrega dos prémios Douro Empreendedor, uma iniciativa que tem como objectivo a produção de uma façanha: estimular o aparecimento de empresas e do empreendedorismo numa das regiões onde se registam alguns dos piores indicadores socioeconómicos do país. O prémio já vai na sua segunda edição e, contra algumas expectativas, conseguiu atrair a participação de 64 empresas (32 na categoria de novas empresas, 22 na categoria de empresas com mais de dois anos e 10 na categoria de turismo internacional) que mobilizaram um investimento de 35 milhões de euros.

Numa região que tem na monocultura do vinho a sua riqueza e, ao mesmo tempo, a sua condenação, haver jovens empreendedores que aproveitam o vinho do Porto para fazer cosméticos e produtos de higiene ou recém-licenciados que desenvolveram projectos que procuram monitorizar por GPS acidentes com tractores é um bom sintoma. O mérito do prémio “é dar visibilidade a essas iniciativas ou a projectos empresariais, é mostrar as experiências positivas que vão aparecendo na região”, diz Artur Cristóvão, docente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), entidade que coordena o prémio.

Para se perceber a utilidade desta iniciativa das 30 entidades (universidades, associações empresariais ou autarquias) que se reuniram na Rede Empreendouro há que olhar os dados da região. O Douro gera anualmente mais de 450 milhões de euros de volume de negócios com os seus vinhos (vinho do Porto e DOC Douro), mas é a quarta pior região do país em termos de PIB per capita (11 mil euros por habitante, em 2011). Produz aproximadamente 60% da energia hidroeléctrica nacional, mas o poder de compra concelhio, em 2009, ficava apenas a 71% da média nacional. Três vinhos do Douro ficaram este ano nos quatro primeiros lugares do ranking do melhor vinho do ano da influente revista norte-americana Wine Spectator, mas 22% da população da região produtora não tem qualquer nível de instrução. Das 480 avaliações de vinhos portugueses desta revista situadas entre os 90 e os 94 pontos (numa escala de zero a 100), 426 foram arrecadadas pelo Douro, mas entre 2001 e 2011 o vale foi a segunda região do Norte que mais população perdeu (7,2%, o equivalente a cerca de menos 16 mil pessoas).

Douro: região rica dá prémios a empresas para deixar de ser tão pobre

Perante os contrastes, o Douro vale mais pelo que pode ser do que pelo que é. Os sinais abundam. Um estudo estratégico destinado a preparar o próximo ciclo de fundos estruturais, da autoria de uma equipa dirigida por Augusto Mateus, notou entre 2004 e 2011 “um forte dinamismo empresarial na região com variações na ordem dos 9% em termos de unidades empresariais e de 11% relativamente ao pessoal ao serviço”. Durante a crise, constata o estudo, “o Douro demonstrou uma forte capacidade de resistência face aos recuos económicos verificados no panorama nacional”. A proporção de população entre os 30 e 34 anos com ensino superior “duplicou” e representa 28% do total nessa faixa etária. E, apesar do atraso, o Douro recuperou terreno: em 1995 o PIB per capita regional valia 55% da média nacional; em 2011 tinha aumentado para 67%.

Visto de Lamego, este percurso bate certo, mas só em parte. “As empresas têm mostrado uma enorme resiliência à crise”, diz Francisco Lopes, presidente da autarquia e da Comunidade Intermunicipal do Douro. As empresas do sector das frutas, por exemplo, tornaram-se mais eficientes. Mas, diz Francisco Lopes, “não temos conseguido obter novos investimentos”. Pelo menos investimentos capazes de retirar a região da “escravidão da monocultura” do vinho, como a considera o sociólogo António Barreto (ver PÚBLICO de 22 de Novembro). Pelo contrário, os investimentos que se fazem ao Douro continuam a ser nos sectores “onde a região tem condições naturais para competir”, diz Francisco Lopes. Traduzindo, quase sempre no vinho, menos no turismo e, em zonas específicas, em outras culturas agrícolas – como a fruticultura na zona de Lamego.

Não há muita volta a dar. O Douro é vinho e é até por isso que a maior parte das 165 candidaturas apresentadas ao Prémio Douro Empreendedor têm por base o vinho. Partindo das condições naturais para a produção, a região evoluiu para a criação de “uma fileira eficiente em qualquer parte do mundo no que diz respeito à criação de valor”, considera João Rebelo, professor da UTAD e um dos maiores estudiosos da economia regional. É nesta cadeia que se fazem vinhos que disputam as mais altas classificações na imprensa e nos concursos mundiais, que chegam a preços acima dos 50 euros no mercado, que usam serviços qualificados na área da comercialização e do marketing e que são competitivos internacionalmente. Um sector onde “há inovação”, que aposta na “excepcionalidade do produto e lhe confere reputação”, na opinião de Lívia Madureira, docente na UTAD que conduziu um estudo que teve o mérito de afirmar que, ao contrário da opinião corrente, o mundo rural português é capaz de produzir inovação.

Douro: região rica dá prémios a empresas para deixar de ser tão pobre

O novo mundo dos DOC
Boa parte da explicação para o reforço da dinâmica empresarial notada no estudo de Augusto Mateus pode estar nessa nova fronteira descoberta há pouco mais de 20 anos com a exploração do potencial dos DOC Douro, até então considerado um subproduto do vinho do Porto. Enquanto na configuração clássica do modelo económico do sector o Douro se limitava a produzir vinho do Porto e concedia às empresas de Gaia o quase monopólio da exportação, nos vinhos DOC Douro a região é capaz de dominar toda a cadeia de valor. Em 2011, havia já 632 agentes inscritos no Instituto do Vinho do Douro e Porto dedicados a este segmento da produção (contra 163 aptos no comércio de vinho do Porto) que geraram um valor próximo dos 85 milhões de euros. E se esse volume de negócios está ainda longe do registado pelo vinho do Porto (355,9 milhões de euros), o valor comercializado por litro (3,8 euros) está muito próximo do valor do vinho histórico da região (4,3 euros).

O dinamismo dos DOC Douro, o segmento onde o Douro mostra mais “genica”, na opinião de António Barreto, tem produzido pequenas revoluções. Tem atraído jovens enólogos e contribuído para o aumento da qualificação da população regional. Tem ajudado a impulsionar enorme reconversão dos vinhedos regionais – cerca de 22 mil hectares depois dos anos de 1980, ou seja, cerca de metade da área actual. Tem sido capaz de evitar danos provocados pela queda dos preços do vinho do Porto na produção, que passaram de 1,40 euros/kg em 2000 para cerca de 1,15 euros/kg em 2010 (ainda de acordo com o estudo coordenado por João Rebelo). E tem também mitigado o impacto de uma redução significativa na produção de vinho do Porto, que passou de 125 mil pipas (de 550 litros) em 2007 para 100 mil este ano, o que retirou à região receitas próximas dos 23 milhões de euros. Nos últimos anos, a produção de Porto tem representado menos de 50% da produção de vinho na região. Não admira,por isso, que os DOC Douro tenham merecido a atenção dos produtores e das empresas tradicionais que, com a excepção da Fladgate Partnership (dona das marcas Fonseca, Taylor’s e Croft) alargaram a sua actividade à nova coqueluche da região.

O problema é que, apesar da valorização dos vinhos tranquilos com a denominação de origem, o Douro continua inundado pelo excesso de produção Num estudo da autoria de Paul Symington para o período entre 1997 e 2013, o Douro produziu em média 143 milhões de litros de vinho, dedicou 90 milhões ao vinho do Porto e 20 milhões ao DOC Douro, mas, mesmo depois de contabilizada a comercialização de vinhos regionais ou de moscatel, sobraram ainda 30 milhões de litros em média por ano (54 mil pipas). O Douro acumula há anos excedentes estruturais, o que leva António Filipe, director-geral da Symington Family Estates (que agrega as marcas Dow’s, Graham’s e Warre, entre outras), um dos mais reputados estudiosos da economia do vinho do Douro e Porto, a considerar que o Douro tem um excesso de dez mil hectares de vinha. Na sua opinião, “o DOC Douro vai crescer, mas não no ritmo que permita escoar estes excedentes”. O que o leva a uma conclusão inevitável: “De forma controlada ou descontrolada, a redução da área de vinha vai ter de acontecer”.

Para já, na economia dos produtores o preço garantido do vinho do Porto (o benefício), que ronda os 920 euros por pipa, vai dando para mitigar a baixa de preços na produção dos lotes do DOC Douro (250 euros/pipa, em média), continuamente pressionados pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura. Mas, para os produtores com poucos direitos de produção de vinho do Porto, a situação é dramática. Um estudo do Conselho Interprofissional do IVDP, no qual António Filipe participou, concluiu que o custo de produção de uma pipa de vinho (Porto ou Douro é, no caso, indiferente), oscila entre os 625 e os 890 euros por pipa, um valor elevado que se explica pelas condições naturais difíceis da região. A diferença entre o custo de produção e o valor de mercado está a motivar um “incremento das transacções de propriedades de há três anos para cá”, nota António Filipe.

Mas se uns saem, outros entram no negócio. Muitos são durienses, outros são investidores estrangeiros. Angolanos na Quinta da Foz, brasileiros na Romaneira ou na Quinta Maria Izabel, franceses na Quinta do Pessegueiro, brasileiros e americanos na histórica Quinta da Boavista, outrora pertença do Barão de Forrester. Investimentos em adegas de vanguarda, como o promovido pelo grupo francês La Martiniquaise, experiências com ciência de ponta como a das vinhas da Taylor’s ou estratégias de marketing inovadoras como a dos Douro Boys legitimam a convicção de que o Douro poderá dar um novo salto nos próximos anos. O Regia Douro Park – Parque de Ciência e Tecnologia, que nasce para o ano em Vila Real na sequência de um consórcio que reúne a UTAD, as universidades Católica e do Porto, além de empresas, autarquias e associações com provas dadas na aplicação da ciência na viticultura regional, como a ADVID, levam Emídio Gomes, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte a querer “posicionar o Douro como um centro mundial do conhecimento da vinha e do vinho”. Esse “é o grande desafio nos próximos cinco anos”, acrescenta Emídio Gomes.

Até lá, porém, vai ser necessário cuidar do futuro dos pequenos produtores – no Douro só 1500 dos 35 mil agricultores exploram áreas com mais de cinco hectares, enquanto 13.800 trabalham em vinhas com menos de meio hectare. “Têm de ganhar dimensão crítica para poderem estar no mercado de exportação” e “para poderem ser inovadores e competitivos”, considera Lívia Madureira. Mas para que o Douro saia da cauda do subdesenvolvimento das regiões nacionais, precisa de novos negócios e de novas fontes de receita. Precisa de aumentar incorporar uma fatia maior da receita dos vinhos (dos 450 milhões de euros comercializados, ficam na produção entre 125 e 150 milhões”. Precisa de ser remunerado pela exploração dos seus recursos energéticos. Emídio Gomes nota a esse propósito uma maior “sensibilidade da EDP” em deixar mais riqueza no vale onde tem barragens e tem a “esperança” que “o capital de queixa do passado” acabe.

Douro: região rica dá prémios a empresas para deixar de ser tão pobre

Mas para que o salto fosse seguro, teria de haver mais empresas a explorar outros recursos regionais. No próximo quadro comunitário de apoio, o Prémio que hoje terá a sua sessão apadrinhada por Passos Coelho é para continuar, mas a Rede que o organiza vai ter deixar de ser “um projecto subdesenvolvido”, como o define o académico Artur Cristóvão. “A prioridade agora é pegar nas ideias interessantes que aparecem e fazer com que passem para a actividade empresarial”, promete Emídio Gomes. Numa região sem tradição empresarial, cuja única excelência está na produção de uvas, que desconhece as regras do mercado, do marketing e da gestão, vai ser necessário “acompanhar” os seus primeiros passos. No sector do vinho, no turismo que cresce ou nas frutas, o que está a acontecer é apenas um primeiro risco na página branca de uma região que sempre existiu como produtora de matéria-prima e que só agora volta a fazer em casa o que deixara de fazer há décadas: vinho.

Fonte: www.publico.pt

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